sexta-feira, 27 de junho de 2003

Botijão de gás


-Quero aquela bebidinha.
       Tava falado! Ela com ar infantil e rebelde, fora mimada por toda a vida. Ele se arranjava, nunca precisou herdar nada.
       Ela ia onde queria, pois tinha família influente. Ele ia onde queria, pois tinha lábia fluente.
       Estavam em Pirenópoles, Ela fugida de casa, Ele com Ela.
       O dinheiro deles havia acabado, mas esse era um problema que não os afetava.
       Então ele foi. Entrou na bodega, assoviou em sânscrito, enrolou um pouquinho, e levou para a princesinha punk o troféu de seu desempenho.
-Obrigada!
        Apesar de bem criada, tomou metade da bebida em uma golada no gargalo.
       Saíram felizes. Eram assim, alegres. Menos quando brigavam. Eram violentos, mas esse detalhe faz parte do final. Sempre faz.
       Então eles estavam felizes. Passearam, chamaram muita atenção: eram bonitos e diferentes.
-Quero aquela comidinha.
       Tava falado! Ele foi lá, pediu com todos os seus melhores argumentos que afiava há anos, e como sempre levava pra Ela o melhor prato. Ele sempre conseguia.
       Certa vez:
-Poxa, acabou o dinheirinho! Quero mais!
Tava falado! Ele achou dinheiro. Incrível?! Mas ele achou mesmo.
        Estavam na casa de um amigo em Pirenópoles, um malucão aposentado. Numa dessas casas que acabam funcionando meio comunidade. E foi ali que brigaram.
       O dia ainda estava novo quando foram tomar banho juntos. Durante o banho, por algum motivo que só Freud explica, cutucaram as mesmas velhas feridas. E brigaram.
       Tudo ia acabar em agressões e beijos analgésicos, mas dessa vez ele fez cair a gota d’água.
        Durante as agressões mútuas, ele se descontrolou e jogou na privada o “sabonete liquido para peles finas” dela. Aí esquentou que só. Ela resolveu mostrar sua ira punk. Saiu a passos largos do banheiro, pegou seu cinto de correntes e castigou as costas dele. Resolveu voltar pra casa, quem ele achava que era?
-Vou embora!
Tava falado! Arrumou suas coisas. Ele saiu de perto...
       Ela foi descendo a íngreme rua para a rodoviária quando viu a viatura da polícia passar com ele lá dentro, no banco de trás.
“Ué” pensou.
       Ele havia saído de perto dela, nem achou que ela fosse mesmo embora. Quando viu ela indo mesmo entrou em desespero. Pensou desmaiar, saiu gritando só por dentro, descontando nas mandíbulas travadas toda sua dor. Entrou na primeira vendinha que viu. Esta vendinha ficava bem em frente à casa que estavam, apesar de ele acreditar que andou quilômetros. Ele viu um botijão de gás, abraçou-se à ele, e o seqüestrou.
        A dona do botijão logo ligou pra polícia e quando esta chegou não teve muitos problemas. Encontrou Ele, na casa do aposentado, sentado em cima do botijão, chorando com olhos vermelhos e gritando: “Me leva, me prende!”
       Prenderam.
      Ela foi embora, sem certeza se era ele ou não naquela viatura.
      Ele ficou preso.

Nanna Carolina