O brasileiro costuma ser bom piadista,
pois já leva tudo na sacanagem. Inserido em sua miséria, inventa formas de rir
de seu colonizador português e aproveita pra tirar um sarro dos argentinos,
coreanos, cubanos...
A piada pode ter muita graça, quando é
pautada na imaginação. Mas será essa mania de piada, uma transferência da
própria realidade do brasileiro? Se olharmos um pouquinho para qualquer lado
que nos cerca, veremos a grande anedota da qual somos protagonistas. Para
debaixo do tapete, jogamos uma verdadeira ilha das flores e, no entanto,
achamos graça dos japoneses.
Pode ter papagaios, loiras e bêbados,
mas uma coisa que falta à piada de brasileiros é graça. Para exemplificar, uso
um caso da minha cidade, que faz questão de ser aquele que nos foge à memória
facilmente:
O CASO ANA LÍDIA
Em 11 de setembro de
1973, ocorre em Brasília, cidade ainda considerada pacata, um crime que até
hoje deixa muita dúvida e assombro. A menina Ana Lídia, de sete anos foi
sequestrada na escola em que estudava e em seguida foi estuprada, torturada e
morta por asfixia. Segundo o laudo policial, sua morte ocorreu um dia após seu
sequestro.
Seu corpo foi encontrado por policiais
em um terreno da UnB. Estava nua, de bruços, com a face comprimida contra a
terra, tinha os cabelos cortados de forma irregular, rente ao couro cabeludo,
seus cílios foram arrancados, sua vagina e ânus dilacerados, e tinha
escoriações e manchas por todo o corpo, incluindo queimaduras de cigarro. Ao
lado do corpo havia marcas de pneu e camisinhas.
Entre os suspeitos do crime estão seu
irmão, Álvaro Henrique Braga, que devia dinheiro a traficantes, o futuro
presidente da República, Fernando Collor de Mello, Alfredo Buzaid Júnior, filho
do então Ministro da Justiça, Eduardo Ribeiro Rezende, filho de senador e
Raimundo Lacerda Duque, conhecido traficante de Brasília.
A investigação foi completamente abafada
pela ditadura. A polícia não colheu as marcas de pneu que estavam ao lado do
corpo, o esperma encontrado nas camisinhas e no corpo da menina ficaram 15 dias
no IML e não foram comparados aos dos suspeitos, o Ministério da Justiça
proibiu a Polícia Federal de investigar a relação do crime com o tráfico de
drogas, entre outras negligências. O pior de tudo é que a família da menina
parecia passiva em relação ao assunto.
Em 11 de setembro de 1993, o crime
prescreveu sem se apontar nenhum culpado. Se o assassino se entregar hoje, não
poderá ser preso.
PARA ANA LÍDIA
Para amenizar o repúdio
que o crime trouxe, foi dado a um parque infantil, situado no Parque da cidade,
o nome de Ana Lídia. Homenagem que me parece um tanto irônica, o clímax da
piada. Além disso, seu túmulo é um dos mais visitados do cemitério da cidade,
onde pessoas fervorosas fazem orações e atribuem a ela a realização de
milagres.
PARA OS SUSPEITOS
Além da impunidade (palavrinha comum nas
piadas de brasileiros) para todos os envolvidos, em 1990, o suspeito de
participação no crime Fernando Collor de Mello é eleito Presidente da
República, depois de ter sido prefeito, deputado e governador em outras cidades
e, por fim, em 2007, torna-se senador. Quem sabe seu túmulo também venha a ser
muito visitado. Talvez, bem mais do que o de Ana Lídia.
Nanna Carolina
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